Missão espiritual
Dissertações Espíritas
OCUPAÇÕES DOS ESPÍRITOS

(Sociedade de Paris, 16 de fevereiro de 1866 – Médium: Sr. Leymarie)

Fostes tão bons para comigo, senhores, tão corteses para com um recém-vindo, que ainda vos venho pedir alguns instantes de atenção.

Desde minha estada no mundo dos Espíritos, estou em condições de transmitir algumas observações que aproveitei, pois me dão a faculdade todo-poderosa de mudar completamente minhas idéias adquiridas na última encarnação. Vou, pois, se mo permitirdes, comunicar algumas dessas reflexões, sugeridas pelas falsas idéias de certos detratores do Espiritismo.

Não é raro ouvir de todos os detratores: Mas os que fizeram a descoberta espírita bem poderiam informar-nos sobre o trabalho dos Espíritos, entrados na posse dessa famosa erraticidade. Têm um corpo correspondente ao nosso ou um corpo fluídico? Têm a ciência infusa? Sabem mais do que nós? Então, por que tanta comunicação terra-a-terra, num francês ordinário ao alcance de todo mundo? Mas o primeiro que chegar pode dizer outro tanto!...

E ainda acrescentam: mas esses Espíritos farsistas a que ginásticas se entregam em seus trapézios eternos? De que vivem? Com que se divertem? Mas se estão no ar ambiente, ocupados em nos ver fazer as coisas, não devem achar divertidas
todas as nossas ações vis, todos os nossos pensamentos ridículos. Talvez estejam na contemplação eterna. E se vêem Deus, como é a Divindade? Que idéia podem nos dar de sua grandeza? Ai! Irrisão! repetem eles. E dizer que há gente que se diz sensata e acredita em todas essas quimeras!

Eu ouvia repetir essas idéias e, como os outros, ria ou lamentava amargamente os adeptos de uma doutrina que, segundo nós, levava à loucura. Muitas vezes me perguntei a razão de semelhante aberração mental no século dezenove.

Um dia encontrei-me livre como todos os meus irmãos terrenos e, chegando a este mundo, que me fizera dar de ombros tantas vezes, eis o que vi:

Conforme as faculdades adquiridas na Terra, os Espíritos buscam o meio que lhes é próprio, a menos que, não podendo estar desprendidos, estejam na noite, nada vendo nem ouvindo, nessa terrível espera que é bem o verdadeiro inferno do Espírito.

A faculdade que tem o Espírito desprendido de ir a qualquer parte por um simples efeito de sua vontade, permite que encontre um meio, onde suas faculdades possam desenvolver-se pelos contrastes e pelas diferenças das idéias. Quando da separação do Espírito e do corpo, é-se conduzido por almas simpáticas junto àqueles que vos esperam, prevendo a vossa chegada.

Naturalmente, fui acolhido por amigos tão incrédulos quanto eu. Mas como neste mundo tão ridicularizado, todas as virtudes estão em evidência, todos os méritos se manifestam, todas as reflexões são bem recebidas, todos os contrastes se transformam numa difusão de luzes. Chamado pela curiosidade a visitar grupos numerosos que preparam outras encarnações, estudando todos os lados que deve elucidar o Espírito destinado a voltar à Terra, fiz uma grande idéia da reencarnação.

Quando um Espírito se prepara para uma nova existência, submete suas idéias às decisões do grupo a que pertence. Este discute; os Espíritos que o compõem vão aos grupos mais avançados ou à Terra; procuram entre vós elementos de aplicação. O Espírito aconselhado, fortificado, esclarecido sobre todos os pontos poderá, doravante, se quiser, seguir seu caminho sem protestar. Terá em sua peregrinação terrena uma multidão de Espíritos invisíveis, que não o perderão de vista; tendo participado em seus trabalhos preparatórios, eles aplaudem os seus resultados, os esforços a vencer, a sua vontade firme que, dominando a matéria, lhe permitiu trazer aos outros encarnados um contingente de quitação e de amor, isto é, o bem, segundo as grandes instruções, segundo Deus, que as dita em todas as afirmações da Ciência, da vegetação, de todos os problemas, enfim, que são a luz do Espírito, quando sabe resolvê-las num sentido racional.

Pertencendo ao grupo de alguns sábios que se ocupam de economia política, aprendi a não desprezar nenhuma das faculdades de que tanto ri outrora; compreendi que o homem, muito inclinado ao orgulho, recusa-se a admitir, mesmo sem estudo, tudo o que é novo e fora do seu gênero de espírito. Também me disse que muitos de meus antigos amigos seguiam caminho errado, tomando a sombra pela realidade. Todavia, segui o conjunto dos trabalhos da Humanidade, onde nada é inútil. Compreendi mesmo a grande lei da igualdade e da equidade que
Deus derramou em todo o elemento humano e me disse que aquele que em nada crê, e que, não obstante faz o bem e ama os seus semelhantes, sem esperança de remuneração, é um Espírito nobre, muito mais nobre que muitos dos que, prevendo outra vida e crendo no progresso do Espírito, esperam uma recompensa. Enfim, aprendi a ser tolerante, vendo essas legiões de Espíritos entregues a tantos trabalhos diversos, multidão inteligente que pressente Deus e procura coordenar todos os elementos do futuro. Disse-me que o homem, esse pigmeu, é de tal modo orgulhoso que se ama e se adora, desprezando os outros, em vez de entregar-se aos grandes instintos e, sobretudo, às idéias sãs e conscienciosas que ensina a vida futura, desenvolvidas pelas idéias espiritualistas e,
principalmente, pelo Espiritismo, esta lei magnífica que cada dia mais fortifica a solidariedade do mundo terrestre e o da erraticidade. É ele que vos inicia em nossos pensamentos, em nossas esperanças, em tudo quanto preparamos para o vosso adiantamento, para o fim desejado da geração que logo deve emigrar para as regiões superiores.

Obrigado. Até outra vez.

Gui...

Observação – Este Espírito, do qual demos notável comunicação na Revista de dezembro de 1865, era, em vida, um distinto economista, mas imbuído das idéias materialistas, e um dos zombadores do Espiritismo. Todavia, como era um homem adiantado intelectual e moralmente e buscasse o progresso, não demorou em reconhecer o seu erro e seu maior desejo foi trazer seus amigos ao caminho da verdade. Foi na intenção destes que ditou várias comunicações. Por mais profunda e lógica que seja esta, vê-se que o mundo dos Espíritos ainda não lhe é
perfeitamente conhecido. Equivoca-se quando diz que a geração atual em breve deve emigrar para as regiões superiores. Sem dúvida, no grande movimento regenerador que se opera, uma parte dessa geração deixará a Terra por mundos mais adiantados; mas, como a Terra regenerada será, ela própria, mais adiantada do que o é, muitos acharão uma recompensa aqui reencarnando. Quanto aos endurecidos, que aí são uma chaga, como estariam deslocados e constituiriam um entrave ao progresso, por perpetuarem o mal, terão de esperar em mundos mais atrasados que a luz se faça para eles. É o que resulta da generalidade das instruções dadas a respeito pelos Espíritos.

SUSPENSÃO DA ASSISTÊNCIA DOS ESPÍRITOS

(Douai, 13 de outubro de 1865)

Num grupo modelo, que punha em prática os deveres espíritas, notava-se com surpresa que certos Espíritos de escol, freqüentadores habituais, desde algum tempo se abstinham de dar instruções, o que motivou a seguinte pergunta:

P. – Por que os Espíritos elevados, que habitualmente nos assistem, comunicam-se mais raramente conosco?
Resp. – Caros amigos, há duas causas para este abandono de que vos queixais. Em primeiro lugar não é um abandono; é apenas um afastamento momentâneo e necessário. Sois como escolares que, bem instruídos e bem dotados de repetições preliminares, são obrigados a fazer os seus deveres sem o concurso dos professores; buscam na memória; espreitam um sinal, espiam uma palavra de socorro: nada vem, nada deve vir.

Esperais nossos encorajamentos, nossos conselhos sobre a vossa conduta, sobre as vossas determinações: nada vos satisfaz, porque nada vos deve satisfazer. Fostes contemplados com ensinamentos sábios, afetuosos, encorajamentos freqüentes, cheios de amenidade e de verdadeira sabedoria; tivestes inúmeras provas de nossa presença, da eficácia da nossa ajuda; a fé vos foi dada, comunicada; vós a tomastes, raciocinastes, adotastes; numa palavra, como o escolar, fostes dotados para o dever. É preciso fazêlo sem erros, com os vossos próprios recursos, e não mais com o nosso concurso. Onde estaria o vosso mérito? Não poderíamos senão repetir incessantemente a mesma coisa. Cabe-vos agora aplicar o que vos ensinamos. É preciso voar com as próprias asas e marchar sozinho.

Em dado momento, Deus fornece uma arma e uma força a cada homem, a fim de que estes continuem a vencer novos perigos. O momento em que uma força nova se lhe revela é sempre para ele uma hora de alegria, de entusiasmo. Então a fé ardente aceita toda dor sem analisá-la, porque o amor não conta as penas; mas depois destas instantaneidades, que são a festa, é preciso o trabalho, e o trabalho só. A alma acalmou-se, o coração abrandouse e eis que chegam a luta e a provação; eis o inimigo; é preciso agüentar o choque; é o momento decisivo. Então, que o amor vos transporte e vos faça desprezar a Terra! É preciso que o vosso coração fique vitorioso dos vis instintos do egoísmo e do abatimento; é a prova.

Desde muito tempo vos temos advertido que teríeis necessidade de estreitar os vossos laços, de vos unir, de vos fortalecer para a luta. O momento é chegado, e nele já estais. Como ireis sustentá-la? Nada mais podemos fazer, do mesmo modo que o professor não pode soprar a composição ao aluno. Ganhará o prêmio? Isto depende do proveito que tiver extraído das lições que  recebeu. Assim é convosco. Possuis um código de instruções suficientes para vos conduzir até um determinado ponto. Lede novamente essas instruções, meditai-as e não peçais outras antes de as ter aplicado seriamente, pois só nós somos os juízes; e quando chegardes ao ponto em que elas forem insuficientes, em relação ao vosso progresso moral, nós bem saberemos dar-vos outras.

A segunda razão desta espécie de isolamento de que vos queixais é esta: muitos de vossos conselheiros simpáticos têm, junto a outros homens, missões análogas às que, de início, quiseram desempenhar junto a vós; e essa quantidade de evocações de que são objeto muitas vezes os desviam de serem assíduos em vosso grupo. Vossa amiga Madalena desempenha longe um mandato difícil, e suas solicitudes, estando junto a vós, alcançam também aqueles a quem ela se sacrifica para salvar. Mas todo o vosso mundo vos voltará; em dado momento reencontrareis os vossos amigos reunidos como outrora, no mesmo pensamento de simpático concurso junto aos seus protegidos. Aproveitai esse tempo para o vosso melhoramento, a fim de que, quando vierem, eles possam dizer: estamos contentes convosco.

Pamphile, Espírito protetor

Observação – Esta comunicação é uma resposta aos que se queixam da uniformidade do ensino dos Espíritos. Se refletirmos no número de verdades que nos ensinaram, veremos que nos oferecem vastíssimo campo à meditação, até que as tenhamos assimilado e deduzido todas as suas aplicações. Que diriam de um doente que diariamente pedisse um novo remédio ao seu médico, sem seguir as suas prescrições? Se os Espíritos não nos ensinam novidades todos os dias, com o auxílio da chave que nos puseram nas mãos, e das leis que nos revelaram, por nós mesmos aprendemos novidades todos os dias, explicando o que, para nós, era inexplicável.

O TRABALHO

(Extraído do jornal espírita italiano La Voce di Dio – Traduzido do italiano)

A medida do trabalho imposto a cada Espírito, encarnado ou desencarnado, é a certeza de ter realizado escrupulosamente a missão que lhe foi confiada. Ora, cada um tem uma missão a cumprir: este, numa grande escala, aquele em escala menor. Entretanto, relativamente, as obrigações são todas iguais e Deus vos pedirá conta do óbolo posto em vossas mãos. Se ganhastes uma vantagem, se dobrastes a soma, certamente cumpristes o vosso dever, porque obedecestes à ordem suprema. Se, em vez de ter aumentado este óbolo o tivésseis perdido, é certo que teríeis abusado da confiança que o vosso Criador tinha depositado em vós; por isso, sereis tratado como um ladrão, porque tomastes e não restituístes; longe de aumentar, dissipastes. Ora, se, como acabo de dizer, cada criatura é obrigada a receber e dar, quanto mais, espíritas, tendes de obedecer a essa lei divina, tanto mais esforço deveis fazer para cumprir este dever perante o Senhor,
que vos escolheu para partilhar seus trabalhos e vos convidou à sua mesa. Pensai, meus irmãos, que o dom que vos é dado é um dos soberanos bens de Deus. Não vos envaideçais por isto, mas envidai todos os esforços para merecer este alto favor. Se os títulos que poderíeis receber de um grande da Terra, se os seus favores são algo de belo aos vossos olhos, tanto mais vos deveríeis sentir felizes com os dons do senhor dos mundos; dons incorruptíveis e imperecíveis, que vos elevam acima de vossos irmãos e para vós serão a fonte de alegrias puras e santas!

Mas quereis ser os seus únicos possuidores? Como egoístas, quereríeis guardar só para vós tanta felicidade e alegria? Oh! não; fostes escolhidos como depositários. As riquezas que brilham aos vossos olhos não são vossas, mas pertencem a todos os vossos irmãos em geral. Deveis, pois, aumentá-las e distribuí-las. Como o bom jardineiro que conserva e multiplica suas flores, e vos apresenta no rigor do inverno as delícias da primavera; como no triste mês de novembro nascem rosas e lírios, assim estais encarregados de semear e cultivar em vosso campo moral, flores de todas as estações, flores que desafiarão o sopro do aquilão e o vento sufocante do deserto; flores que, uma vez desabrochadas em seus pedicelos, não passarão nem jamais murcharão; mas, brilhantes e vivazes, serão o emblema da verdura e das cores eternas. O coração humano é um solo fértil em afeição e em doces sentimentos, um campo cheio de sublimes aspirações, quando cultivado pelas mãos da caridade e da religião.

Oh! não reserveis apenas para vós esses pedúnculos sobre os quais crescem sempre tão doces frutos! Oferecei-os aos vossos irmãos, convidai-os a vir saborear, sentir o perfume de vossas flores, a aprender a cultivar os vossos campos. Nós vos assistiremos, encontraremos regatos frescos que, correndo suavemente, darão força às plantas exóticas, que são os germes da terra celeste. Vinde! trabalharemos convosco, partilharemos vossa fadiga, a fim de que também possais acumular esses bens e deles fazer participar outros irmãos, em caso de necessidade. Deus nos dá e nós, reconhecidos por seus dons, os multiplicamos o mais possível. Deus nos incumbe da nossa própria melhoria e da dos outros; cumpriremos nossas obrigações e santificaremos sua vontade sublime.

Espíritas, é a vós que me dirijo. Preparamos o vosso campo; agora agi de maneira que todos que necessitarem possam fruir largamente. Lembrai-vos de que todos os ódios, todos os rancores, todas as inimizades devem desaparecer diante de vossos deveres: instruir os ignorantes, assistir os fracos, ter compaixão dos aflitos, defender os inocentes, lastimar os que estão no erro e perdoar aos inimigos. Todas essas virtudes devem crescer em abundância no vosso campo, e deveis implantá-las nos dos vossos irmãos. Recolhereis uma ampla colheita e sereis abençoados por vosso Pai, que está nos céus!

Meus caros filhos, quis dizer-vos todas essas coisas, a fim de vos encorajar a suportar com paciência todos aqueles que, inimigos da nova doutrina, buscam vos denegrir e vos afligir. Deus está convosco, não o duvideis. A palavra de nosso Pai celeste desceu ao vosso globo, como no dia da Criação. Ele vos envia uma nova luz, luz cheia de esplendor e de verdade.

Aproximai-vos, ligai-vos estreitamente a ele e segui corajosamente o caminho que se abre à vossa frente.

Santo Agostinho

R.E. , junho de 1866, p. 248